sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Santa Catarina de Gênova


A célebre família Fieschi, de Gênova, deu à Igreja dois Papas, nove cardeais e dois arcebispos, e à pátria muitos magistrados e aguerridos capitães. Santa Catarina nasceu dessa família no ano de 1447. Seus pais eram fervorosos católicos e a educaram no santo temor de Deus.
         Desde pequena Catarina foi objeto de copiosas bênçãos do Céu, entre estas a de receber aos oito anos de idade um dom particular de oração e união com Deus. Aos 12, começou a renunciar inteiramente à sua vontade para só fazer a do Divino Redentor, e consagrou-se com afinco às coisas espirituais, meditando continuamente na santíssima Paixão de Nosso Senhor. Quis consagrar-se a Deus num claustro, quando tinha 13 anos, mas não foi admitida devido à idade insuficiente.

         Nessa época, Gênova era teatro de sangrentas guerras entre guelfos (partidários do poder temporal dos Papas) e gibelinos (defendiam o poder do Imperador). O duque de Milão, aproveitando-se do estado anárquico de Gênova, apoderou-se da cidade. Com o estabelecimento da paz e da tranqüilidade, as desavenças entre as famílias rivais foram também se acalmando. Duas famílias nessas condições eram a dos Fieschi e a dos Adorno. Para cimentar uma reconciliação entre elas, foi concertado o casamento de Catarina Fieschi, então com 16 anos, com Julião Adorno. Como em tudo via a mão de Deus, Catarina aceitou essa situação tão contrária aos seus desejos.
O casamento não foi feliz, pois Julião era de temperamento colérico, volúvel e extravagante. Ao contrário de Catarina, amava as pompas e vaidades do século, o luxo, os prazeres. Com isso, concebeu verdadeira aversão à esposa, desprezando-a e ultrajando-a de muitos modos. Agravava essa situação o fato de ser ele um jogador contumaz, que dilapidava no jogo não só sua fortuna, mas também o dote de Catarina. Aos poucos a família foi caindo na pobreza. Apesar de tudo, Catarina era-lhe inteiramente submissa e procurava, pela paciência e virtude, conquistá-lo para Deus.
Desamparada humanamente, parecia que Deus Nosso Senhor deixara a pobre Catarina entregue à sua própria sorte pelo espaço de cinco anos. Os parentes, vendo-a tão maltratada e provada, insistiram com ela para distrair-se e retomar a vida social, o que a levou a trocar visitas com senhoras de sua categoria e freqüentar diversões e festas de seu círculo, tudo com muita moderação. Mas essas iniciativas, ao invés de saciar seu coração, comunicavam-lhe espantoso vazio, situação que durou outros cinco anos.
Foi então que sua irmã monja aconselhou-a a consultar o confessor de seu convento, homem piedoso e experiente na vida espiritual. No dia de São Bento do ano de 1473, aos 26 anos, ela procurou aquele sacerdote; e narrou depois que, tão logo se pôs de joelhos no confessionário, “foi objeto de uma das mais extraordinárias operações de Deus na alma humana, de que tenhamos notícia. O resultado foi um maravilhoso estado de alma que durou até sua morte. Nesse estado ela recebeu admiráveis revelações, às quais às vezes se referiu aos que a rodeavam, e que estão sobretudo incorporadas em suas duas celebradas obras – os Diálogos da Alma e do Corpo e o Tratado sobre o Purgatório.

Um de seus biógrafos assim descreve essa graça: “O Senhor dignou-se iluminar sua mente com um raio tão claro e penetrante de sua divina luz, e acender em seu coração uma chama tão ardente de seu divino amor, que ela viu em um momento, e conheceu com muita clareza, quão grande é a bondade de Deus, que merece infinito amor; além disso, viu quão grande é a malícia e perversidade do pecado e da ofensa a Deus, quaisquer que sejam, mesmo ligeiros e veniais”.(2) Nesse momento Catarina sentiu excitar-se em seu coração uma contrição muito viva por seus pecados; e um amor tão grande a Deus, que colocou-a fora de si. Exclamava: “Amor meu, nunca mais hei de ofender-te!”.
         Essa chama ardente consumia seu coração e a levava a um desejo insaciável da santa comunhão. Por isso obteve a graça, raríssima para aquele tempo, de poder comungar diariamente. Sentia-se tão fortificada com o pão dos anjos, que chegava a passar os 40 dias da Quaresma e os do Advento sem tomar outro alimento além de um copo de água misturada com vinagre e sal.
         Para que seu corpo e sentidos estivessem sujeitos e obedientes ao divino amor que a consumia, praticava extremas austeridades. Mal dormia sobre uma enxerga, tendo um pedaço de madeira como travesseiro. Disciplinava-se até o sangue, usava cilícios, e proibiu sua língua de proferir qualquer palavra inútil. Rezava diariamente, de joelhos, durante sete a oito horas.

Nosso Senhor Jesus Cristo lhe apareceu com sua cruz, reduzido ao último estado de sofrimento e irrisão. Imprimiu-se tão profundamente na sua alma a imagem sofredora do Redentor, que ela chorava freqüentemente ao considerar a monstruosa ingratidão dos homens depois do inestimável benefício da Redenção. 
À força de orações, paciência e submissão, Catarina conseguiu converter o marido, que concordou em viver com ela como irmão e secundar suas boas obras. Mudaram-se em 1482 para uma casa contígua a um hospital, no qual ambos cuidavam dos enfermos. Julião entrou para a Ordem Terceira de São Francisco, e depois de penosa enfermidade, tendo recebido todos os socorros da Santa Madre Igreja, entregou sua alma a Deus em 1497.
         Catarina viveu ainda 13 anos, que empregou em orações e obras de misericórdia. Para isso entrou numa associação religiosa, a Sociedade da Misericórdia, constituída pelos mais distintos habitantes da cidade e por oito damas escolhidas entre as mais nobres e ricas de Gênova, com o fim de socorrer os pobres. Catarina ficou encarregada de distribuir as esmolas que a associação angariava. Socorria de preferência os leprosos ou portadores de úlceras gangrenosas, e procurava-lhes habitação, cama, roupa e alimento. Muitas vezes ia às suas casas para lhes prestar os mais humildes ofícios. À força de atos heróicos, conseguiu dominar a repugnância natural a essa hedionda ruína do corpo humano, de maneira a poder cuidar pessoalmente das chagas mais repugnantes.
         Sua dedicação inspirou aos administradores do grande hospital Pammatone, de Gênova, entregar-lhe a administração. Catarina dele se ocupou o resto de sua vida. Essa atividade, porém, em nada a impedia de manter seu coração constantemente unido a Deus.
         Nove anos antes de sua morte, foi atacada por uma doença que durou até seu último suspiro. Os melhores médicos da Itália, sendo homens de fé, declararam que a enfermidade não tinha causa natural, que sua origem era sobrenatural, e que não havia remédio para ela. Freqüentemente deixava-a a dois passos da morte, sofrendo convulsões que a levavam a soltar gritos de dor e faziam tremer os que a viam.
         As duas obras de grande valor teológico que Catarina deixou foram escritas por obediência a seu confessor. Contêm doutrina muito profunda e inteiramente conforme às verdades de fé.



 Nos seus Diálogos da Alma e do Corpo, descreve os efeitos poderosos do amor divino em uma alma e a doce e suave alegria que freqüentemente os acompanham. Tão constante era o seu contacto com as almas do Purgatório, que seu escrito sobre esse lugar de expiação lhe valeu o título de Doutora do Purgatório. Faleceu em Gênova com 63 anos, a 15 de setembro de 1510. Seu corpo foi sepultado na capela do hospital, onde permaneceu 18 meses. Descobriram então um filete de água que passava sob a parede do local em que estava o túmulo. Este foi aberto, e o caixão encontrado em condição deplorável. Entretanto, o corpo estava perfeitamente incorrupto. Nos anos 1551, 1593 e 1642 o sarcófago foi sucessivamente removido para outros lugares. Em 1694, ainda incorrupto, foi colocado num escrínio de prata ornado de cristais, sob o altar-mor da igreja erigida em sua honra no bairro de Portoria, em Gênova, a fim de ser visto e venerado por todos.
Plinio Maria Solimeo
Revista o Catolicismo

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